Nome social: como garantir o direito de ser reconhecido por quem você é
Segundo o artigo 16 do Código Civil, toda pessoa tem direito ao nome. Mas o que fazer quando o nome difere da identidade de gênero da pessoa?
Em abril de 2016 o decreto nº 8.727 garantiu o direito o uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais.
Afinal, o que é nome social ?
Nome social é o nome pelo qual pessoas transexuais, travestis (em geral) ou qualquer outro gênero preferem ser chamadas cotidianamente, em contraste com o nome oficialmente registrado, que não reflete sua identidade de gênero.
Logo, a pessoa travesti ou transexual tem o direito de indicar qual a designação de nome pela qual é socialmente reconhecida.
De acordo com o decreto, os órgãos e as entidades governamentais deverão adotar em seus atos e procedimentos o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com o requerimento. Além disso, deve constar o campo “nome social” nos registros de sistema de informação.
O nome social deve vir em destaque, acompanhado do nome civil apenas para fins administrativos internos.
Além dos aspectos legais, é importante celebrar o aspecto social desta conquista. De acordo com pesquisa realizada pelo Transgender Europe (TGEU), rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero, o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais e transgêneros no mundo.
Este decreto, além de ser uma medida necessária no combate à LGBTfobia, é necessário para que cada vez mais pessoas transexuais e transgêneros se sintam confortáveis sendo como são.
É comum pensar que para buscar o direito ao nome social, primeiro deve ser feita a cirurgia de redesignação de sexo. O entendimento do STF prova que isto não é verdade.
Em agosto de 2018, ao dar provimento a um recurso especial, o Supremo Tribunal Federal aprovou a tese, que dividida em 3 partes, diz que:
- O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo para tanto nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa.
- Esta alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo “transgênero”.
- Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial.
- Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento do interessado, a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos.
Então, o que deve fazer uma pessoa que busca o direito ao nome social?
O processo infelizmente é mais demorado do que o ideal, mas pode ser feito pela via administrativa, ou seja, no cartório, desde que a pessoa seja maior de idade.
Se a pessoa for menor de idade, o procedimento tem que ser feito na via judicial.
Ao fazer o requerimento no cartório, os documentos necessários são:
- Certidão de nascimento atualizada
- Certidão de casamento atualizada, se for o caso
- Cópia do RG
- Cópia da identificação civil nacional (ICN), se for o caso
- Cópia do passaporte brasileiro, se for o caso
- Cópia do CPF
- Cópia do título de eleitor
- Cópia de carteira de identidade social, se for o caso
- Comprovante de endereço
- Certidões: ATENÇÃO: as certidões devem ser emitidas nos locais de residência dos últimos cinco anos.
- Certidão do distribuidor cível (estadual/federal)
- Certidão do distribuidor criminal (estadual/federal)
- Certidão de execução criminal (estadual/federal)
- Certidão dos tabelionatos de protestos
- Certidão da Justiça Eleitoral
- Certidão da Justiça do Trabalho
- Certidão da Justiça Militar, se for o caso.
Neste requerimento, poderão ser alterados o prenome, agnomes indicativos de gênero (filho, júnior, neto e etc) e o gênero em certidões de nascimento e de casamento (com a autorização do cônjuge).
O pedido pode ser realizado em qualquer cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do território nacional, ou seja, não precisa ser exatamente no cartório onde a pessoa foi registrada.
A falta de qualquer um dos documentos exigidos na lista impede o procedimento de ser realizado. Se alguma das certidões for positiva, por exemplo, a certidão dos tabelionatos de protesto a mudança de nome não pode ser impedida, porém, o oficial de justiça é obrigado a comunicar ao juízo, para evitar qualquer tipo de fraude.
Em relação ao preço, os cartórios cobram valores diferentes e que são atualizados todos os anos e, por isto, recomenda-se verificar diretamente no cartório pretendido os custos para a alteração.
Ainda, caso a pessoa não consiga arcar com as custas do procedimento, pode solicitar a gratuidade a qualquer momento.
É importante lembrar que o requerimento independe de cirurgia de redesignação de sexo, assim, o cartório não pode se recusar a realizar o procedimento por conta disso.
Todo cartório está habilitado a fazer esse procedimento, não podendo se recusar sem justificativa. O cartório, porém, pode negar o requerimento se houver suspeita de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto ao desejo real da pessoa requerente.
Neste caso, a recusa terá que ser fundamentada e enviada para o juiz corregedor responsável, que dará a palavra final sobre a alteração.
Feita a alteração, o cartório comunica oficialmente a Receita Federal e os órgãos expedidores do RG, ICN e passaporte, bem como o Tribunal Regional Eleitoral.
A documentação com novo nome e gênero terá que ser solicitada pela pessoa requerente, exceto no caso do CPF, em que atualização no sistema da Receita acontece de forma automática após a notificação do cartório.
Se a pessoa sofrer algum problema, impedimento ou preconceito ao fazer o requerimento, ela deverá registrar uma denúncia nas corregedorias dos tribunais de justiça ou no Conselho Nacional de Justiça, órgãos responsáveis por fiscalizar os cartórios.
Também é possível pedir auxílio às defensorias públicas ou à um escritório de advocacia para que sejam adotadas as medidas cabíveis.
O direito ao nome social é uma conquista importantíssima.
Ainda que o processo seja extenso e burocrático, é necessário que pessoas transexuais e transgênero não desistam, para que este direito seja cada vez mais reconhecido.